O Tua já foi acampado durante 10 dias no acampamento Actua pelo Tua.
Durante 10 dias viveu-se o TUA, partilharam-se experiências (entre quem vive ali e quem vive acolá), criaram-se redes de acção/informação/sociais sobre questões ambientais, sociais e políticas, foram várias as acções de protesto – a invasão do estaleiro com a mensagem “Nem mais uma barragem – Actua”; a plantação de um sobreiro, símbolo dos milhares que já foram cortados pelas obras, com a mensagem “Cresce, Resiste, Actua”, um “assentamento” de centena e meia de pessoas em frente ao principal estaleiro de construção da barragem. Houveram também projecções de filmes sobre despovoamento e caminhadas pelo vale prestes a ser destruido.
Foram vários os argumentos que se ouviram durante o acampamento-protesto contra a construção da barragem: afogamento de uma linha de comboio com 125 anos (linha do Tua) cuja função de transporte de bens e pessoas era essencial para a região e cuja manutenção teria um potencial muito maior para o seu desenvolvimento económico e social permanente; a insustentabilidade financeira da construção da barragem (hipoteca causada a três gerações futuras pela construção da barragem); a destruição dos ecossistemas de forma irreversível; a forte possibilidade da desclassificação do Alto Douro Vinhateiro como património da humanidade; a destruição de solos agrícolas e de culturas como a vinha; a deterioração da qualidade da água, tornando-a imprópria para as actividades humanas; o custo insustentável da produção de energia.
A EDP distribui dividendos pelos seus accionistas. A lógica da ganância capitalista torna os recursos naturais mercadorias e a sua exploração intensiva uma realidade no Vale do Tua. A destruição de ecossistemas leva também à rápida destruição das comunidades que deles vivem. No caso do Tua a EDP legitima a construção da barragem junto das populações com a chantagem da escassez de trabalho. Ainda as primeiras cartas estão na mesa e o bluff é já óbvio: Apenas 5 habitantes de Foz-Tua trabalham na barragem, cujos estaleiros estão equipados com cantinas, contribuindo pouco para a tal dinamização da economia local, mesmo nas fases mais intensas do trabalho. Um dia a obra acaba e o que sobrará vai ser um vale submergido por um espelho de água morta, mantido por meia duzia de funcionários especializados da EDP. Não nos sobram muitos rios, num território já cortado em fatias por dezenas de autoestradas. Até quando?
O acampamento Actua pelo Tua colocou em prática os princípios de uma vida comunitária, partilhando recursos e experiências. Quem veio tomou parte do funcionamento do acampamento, resolvendo problemas e tomando decisões desde uma estrutura horizontal e auto-organizada. Havia um painel fotovoltaico cedido gentilmente pela FuturoAgora [http://www.futuragora.pt/] de modo a mostrar alternativas à forma centralizada de obtenção de energia. A esta forma de viver e resistir assistiram diariamente vários agentes da autoridade, presentes em número invulgar, ultrapassando em número os acampantes, perante o espanto de uma população pouco acostumada a tal presença polícial. Fardados ou à paisana, alguns confessaram-se até detractores da barragem, mas contra si mesmos representaram o Estado, defendendo as obras que diariamente destroem o Vale do Tua.
A resistência contra a construção da barragem foi também uma vivência: conviver diariamente com a construção da barragem no Tua, as suas explosões e o seu trabalho ininterrupto. Por outro lado conviver com um vale que ainda vive, laranjais e ribeiras que não queremos submersos. Para os que lá estiveram a vontade de parar a barragem não pode senão ter crescido, gerado ainda mais união e assim se fortalecer.
A construção destas barragens é um balão de oxigénio, pensado para manter a respirar lucros de grandes grupos económicos. Esta forma de enfrentar a crise demonstra perfeitamente que o que vivemos não é na realidade crise, mas o corrente funcionamento das coisas. De maquilhagem ‘ecológica’ destroem-se vorazmente ecossistemas e paisagens culturais, com a promessa de emprego e desenvolvimento, submergem-se recursos e afundam-se regiões no abandono. Resta-nos rebentar estes balões, um por um, de alfinete na mão, sabendo que o ar que contêm será um dia de todos.
Bruno, Mara e Marcos